Excitações localizadas em redes não lineares

Nesta secção passamos dos sistemas contínuos para os discretos. A estes chamamos redes não lineares.

Solitões em cadeias monoatómicas

Entre todas as redes não lineares, uma cadeia monoatómica simples (ver a figura abaixo) ocupa um lugar especial. Este significado especial é devido a um trabalho pioneiro de Fermi, Pasta e Ulam. Neste trabalho, a cadeia (que a partir de agora vamos chamar cadeia FPU) foi analisada numericamente do ponto de vista da distribuição de energia entre harmónicas lineares. Foi suposto que a cadeia é não linear e que a força que actua sobre um átomo com o número n, exercida pelos seus vizinhos, os átomos n - 1 e n + 1, é dada pela fórmula

F_n=k(u_{n+1}+u_{n-1}-2u_n)+K\left(\left(u_{n+1}-u_n\right)^2-\left(u_n-u_{n-1}\right)^2\right)

onde o primeiro termo descreve interacções elásticas entre átomos vizinhos, com uma constante elástica k e o segundo termo descreve interacções não lineares com uma constante elástica não linear K. un descreve o desvio do átomo n do seu estado de equilíbrio como se mostra na figura abaixo.

Cadeias monoatómicas em repouso (em cima) e excitada (em baixo).
Cadeias monoatómicas em repouso (em cima) e excitada (em baixo). Na cadeia em cima todos os átomos se encontram no estado de equilíbrio. A massa de cada átomo é m.

Esperava-se que a não linearidade levasse ao acoplamento de harmónicas lineares, o que, do ponto de vista da física linear, significa uma possibilidade de transferência de energia entre harmónicas e, portanto, uma redistribuição da energia entre todas as harmónicas após um intervalo de tempo suficientemente grande. A surpresa que esperava os investigadores foi que nada disso aconteceu. Cada vez que a energia era concentrada inicialmente num dado modo, em vez da redistribuição de energia num certo intervalo de tempo, foi observado um comportamento recorrente (periódico) de concentração da energia na mesma harmónica.

O entendimento deste fenómeno chegou mais tarde, quando foi demonstrado que no limite contínuo a cadeia não linear pode ser descrita pela equação KdV. É importante salientar que as equações não lineares que admitem soluções na forma de solitões possuem também soluções periódicas.

Excitações duma rede de osciladores acoplados

Como o último exemplo dum sistema que possui solitões, consideremos uma cadeia de pêndulos como a ilustrada na próxima figura. Suponhamos que cada oscilador está sujeito à força da gravidade, F_{g,n}=-mgL\sin(\varphi_n), onde g é a aceleração da gravidade e \varphi_n é o ângulo de desvio do oscilador n da posição de equilíbrio, cf. (b) na figura, e a uma força elástica devida à rotação das molas (os pontos de suspensão dos pêndulos estão ligados por molas idênticas). Esta última força pode ser escrita como F_{e,n}=k(\varphi_{n+1}+\varphi_{n-1}-2\varphi_n), onde k é a constante elástica (tal como no caso da cadeia FPU, supomos que existem interacções apenas entre primeiros vizinhos).

(a) Cadeia de osciladores acoplados. Cada oscilador tem massa m e comprimento L. (b) Um dos osciladores. (c) Excitação na forma de um kink (d) Excitação na forma de um breather.
(a) Cadeia de osciladores acoplados. Cada oscilador tem massa m e comprimento L. (b) Um dos osciladores. (c) Excitação na forma de um kink (d) Excitação na forma de um breather.

Vamos agora considerar excitações com comprimento de onda muito maior do que a distância entre osciladores vizinhos, o que corresponde ao limite contínuo. Neste caso, tal como no caso da cadeia FPU, podemos fazer aproximações e assim chegar à equação de sine-Gordon. Podemos agora usar a nossa cadeia de osciladores para visualizar as soluções do tipo kink e do tipo breather, ilustradas nos painéis (c) e (d) da figura, respectivamente.