Como tudo começou

Em Agosto de 1834 o engenheiro escocês J. S. Russel observou um fenómeno que dez anos mais tarde caracterizou no seu relatório, no encontro da Associação de Ciências Avançadas em Londres, como singular e belo:

O fenómeno aconteceu no Union Canal, em Hermiston, na vizinhança da Universidade de Herriot Watt (Edimburgo, Escócia). Ao longo do canal, que era estreito e pouco profundo, um barco foi puxado por cavalos. De repente os cavalos pararam fazendo o barco parar também. Neste instante junto da proa do barco acumulou-se água criando uma elevação bem localizada. Depois a elevação de água separou-se do barco e propagou-se, solitária, ao longo do canal com uma velocidade de cerca de catorze quilómetros por hora, sem qualquer alteração visível da forma. A onda solitária percorreu uma distância de cerca de dois quilómetros desaparecendo no fim do caminho em ondulação da água do canal. Russel chamou a onda que observou – a onda de translação.
Representação esquemática (de cima para baixo) da primeira observação da onda de translação.
Representação esquemática (de cima para baixo) da primeira observação da onda de translação. O barco move-se com uma velocidade constante v até que, num certo instante, pára. Nesse instante, a velocidade do barco torna-se zero (v = 0) e junto à proa do barco cria-se uma elevação de água. De seguinte a onda solitária de água separa-se do barco e propaga-se ao longo do canal com velocidade constante v.

Cinquenta anos mais tarde, analisando ondas gravitacionais em águas pouco profundas, o matemático e professor da Universidade de Amsterdão D. J. Korteweg e o seu aluno G. de Vries deduziram a equação que descreve estas ondas. Esta equação é hoje conhecida como a equação Korteweg – de Vries (equação KdV) e tem como solução uma onda chamada solitão (uma onda solitária que mantém a sua forma à medida que o tempo passa).

Os solitões têm propriedades interessantes. Em primeiro lugar, a amplitude e a largura não são arbitrárias, mas estão relacionadas com a velocidade:

Amplitude ~ Velocidade

Largura ~ \frac{1}{\sqrt{Velocidade}}

A observação do J. S. Russel foi recriada no Scott Russell Aqueduct no Union Canal junto à Heriot-Watt University, a 12 Julho 1995.
A observação do J. S. Russel foi recriada no Scott Russell Aqueduct no Union Canal junto à Heriot-Watt University, a 12 Julho 1995. http://www.ma.hw.ac.uk/solitons/press.html

Em particular um solitão que se propaga com uma velocidade maior é mais estreito e tem uma amplitude maior comparado com um solitão mais lento. Uma outra propriedade é que nenhum dos parâmetros do solitão depende do tempo, ou seja a onda propaga-se sem qualquer deformação.

Entretanto, o entendimento completo da importância do fenómeno chegou à comunidade científica no início dos anos setenta. Depois do trabalho fundamental de Gardner, Greene, Kruskal, e Miura, onde a equação KdV foi resolvida duma forma sistemática, foi descoberto o facto que não só a equação KdV possui soluções exactas na forma de solitões, como também existem outras equações não lineares de grande relevância física e matemática que admitem soluções exactas na forma de ondas solitárias.

Os solitões de J. S. Russel também podem ser vistos no Parque das Nações em Lisboa, num canal artificial quando o vento não é forte:

Um solitão no Parque das Nações.
Um solitão no Parque das Nações.

Hoje sabemos que a diversidade dos sistemas físicos, matemáticos, biológicos, químicos, etc., onde existem solitões é tão grande que não resta qualquer dúvida sobre a universalidade do fenómeno. Em particular, na Física, observaram-se vários tipos de solitões em líquidos, sistemas ópticos, plasmas, redes cristalinas, cadeias atómicas e macromoléculas, em meios elásticos, em condensados de Bose-Einstein, etc. Fora da Física existem teorias que consideram os solitões como os objectos responsáveis pela transferência de informação em sistemas biológicos e químicos.