Como funciona a autoorganização?

Como vimos, os sistemas autoorganizados, de uma maneira geral, são constituídos por um grande número de componentes ou eventos muito semelhantes. O que nos interessa agora explorar são os modos de interacção entre essas componentes que dão origem ao padrão complexo. Essencialmente existem dois tipos básicos de interacção comuns às componentes de todos os sistemas autoorganizados: feedback positivo e feedback negativo.


Feedback negativo

A maior parte dos sistemas autoorganizados usa feedback positivo. No entanto, é útil perceber a diferença entre os dois e a dinâmica que cada um deles implica num sistema. Essencialmente o feedback negativo é uma resposta do sistema que tende a estabiliza-lo diminuindo o efeito das flutuações. O feedback positivo amplifica flutuações.

Encontramos inúmeros exemplos concretos de feedback negativo no corpo humano, um mecanismo usado frequentemente para estabilizar processos fisiológicos e anular flutuações indesejadas.

Feedback negativo na produção de insulina
Um aumento dos níveis de glucose no sangue activa a produção de insulina que por sua vez faz diminuir os níveis de glucose.

Um exemplo bastante popular é o da regulação dos níveis de açúcar no sangue (figura à direita): Um aumento do nível de glucose no sangue, provocado pela ingestão de algum alimento rico em açúcar, dispara a produção de insulina no pâncreas que uma vez no sangue converte a glucose em glicogénio, estabilizando os níveis de açúcar. Assim, este mecanismo tem a finalidade de anular flutuações indesejadas de glucose no sangue e é activado por essas mesmas flutuações. Nos diabéticos é precisamente esta resposta que falha, devido a uma deficiente produção de insulina no pâncreas.

Feedback negativo na regulação da temperatura do corpo
Uma diminuição da temperatura do corpo humano faz disparar mecanismos que se opõem a essa diminuição tais como os arrepios ou a necessidade de agasalho.

Outro exemplo ocorre no controlo da temperatura do corpo (figura à esquerda). Nos animais de sangue quente a temperatura do corpo é regulada por receptores de temperatura no hipotálamo. A temperatura do sangue ao longo de todo o corpo é monitorizada por este sensor. Se esta se encontrar dentro de certos limites o corpo sente-se bem. No entanto, se o corpo é exposto a grandes gradientes de temperatura, por exemplo, se a temperatura ambiente atinge valores muito baixos, o sensor detecta uma discrepância entre o valor ideal e o monitorizado. Neste caso é despoletada no organismo a sensação de frio e são accionados comportamentos e respostas fisiológicas, tal como os arrepios ou a necessidade de agasalho, que tendem a combater a diminuição de temperatura.

Essencialmente, o feedback negativo serve para corrigir valores de parâmetros importantes para o bom funcionamento do sistema quando estes se afastam dos valores ideais. O facto de depender exclusivamente do aparecimento de flutuações torna a correcção independente de qualquer controlo externo.


Feedback positivo e a criação de um padrão

Contrariamente ao feedback negativo, que combate flutuações no sistema, o feedback positivo amplifica pequenas flutuações e portanto favorece alterações do sistema.

Consideremos o exemplo da agregação de indivíduos observada com frequência no mundo animal. Muitas espécies de pássaros como as gaivotas ou as garças, agrupam os seus ninhos em colónias. Estas colónias oferecem aos indivíduos certas vantagens, tais como a detecção mais eficaz de predadores ou maior facilidade na procura de alimento.

O mecanismo através do qual estas colónias se formam é baseado no comportamento imitativo de cada uma das aves: cada ave sente-se atraída a construir o ninho perto de sítios onde já existam outros ninhos. Este comportamento é um processo de feedback positivo em que cada ave segue a regra comportamental "Eu faço o ninho perto donde tu fizeres". Quantos mais ninhos houverem numa zona maior será o estímulo sobre outras aves e portanto maior tendência haverá para a colónia crescer ainda mais.

Ninhos de gansos-patola
Colónia de gansos-patola. Algumas espécies de aves escolhem o local do seu ninho respondendo a um estímulo provocado pelos ninhos já existentes numa dada zona. Este mecanismo de agregação define um processo de feedback positivo.

Imaginemos um conjunto de ilhas e uma população de gaivotas que vem habitar estas ilhas. Inicialmente, uma vez que não há nenhuma zona preferencial para a construção de ninhos, pois ainda não há ninhos, cada ave irá sentir-se igualmente atraída por cada uma das ilhas e portanto fará uma escolha aleatória. Este comportamento dará origem a uma distribuição quase homogénea de aves pelas diferentes ilhas. No entanto, como o processo é aleatório, acabará por haver uma ligeira flutuação que faça com que numa determinada ilha apareça um número ligeiramente superior de ninhos. Ora, quando isso acontecer, o estímulo para que aves recém chegadas construam o ninho nesta ilha será ligeiramente superior e portanto mais aves terão propensão a escolhê-la. Mas se mais aves escolhem esta ilha, o estímulo será ainda maior para futuras aves. Desta forma, uma ligeira flutuação é amplificada pelo processo de feedback positivo e de um comportamento inicialmente aleatório chega-se a um comportamento robusto.

Baseadas em regras simples, encontramos na natureza várias formas de feedback positivo: Comunidades de pirilampos piscam de forma síncrona mediante a regra "eu ilumino quando tu iluminas", como já vimos, cada peixe de um cardume segue a regra "eu vou por onde tu vais", ou mesmo em ser humanos, quando vimos alguém a rir ou a bocejar, muitas vezes leva-nos a rir ou bocejar também.


O controlo do feedback positivo

Como vimos o feedback positivo funciona como uma bola de neve, quanto mais uma flutuação for amplificada, mais ainda o será. Assim, por si só, não existe um limite neste ciclo vicioso e à partida, um processo com feedback positivo, poderia crescer indefinidamente com consequências potencialmente catastróficas. Como é que este efeito de bola de neve pode ser controlado? É aqui que entra o feedback negativo.

A tilápia é um peixe que usa pequenos buracos que escava na areia como "ninhos". Estes pequenos territórios encontram-se agrupados em colónias mediante um processo de feedback positivo semelhante aquele que descrevemos para as colónias de gaivotas ou garças: cada peixe é atraído a fazer o seu buraco junto dos buracos já existentes de outras tilápias. Assim, o estímulo que cada peixe sente para fazer o seu buraco perto donde outros já o fizeram, pode ser pensado como uma regra que define a interacção entre peixes à distância: "Eu faço o meu ninho perto dos vossos".

Colónia de tilápias
Colónia de tilápias. A forma poligonal que assumem os "ninhos" destes peixes é o resultado do balanço entre o estímulo que sentem para escavar um buraco perto donde já existem buracos escavados e da defesa que cada um deles faz do seu próprio buraco.

No entanto, se os peixes seguissem exclusivamente este modo de interacção não iriam respeitar o território uns dos outros o que provavelmente iria dar origem a disputas territoriais. Assim sendo é necessário que exista um processo de feedback negativo que regule as interacções próximas entre os peixes: "Não faças o ninho onde eu tenho o meu". Na prática, cada peixe com o seu buraco já formado defende os limites do seu território que não aceita serem ultrapassados.

O mais fascinante nesta dinâmica é que o balanço entre estas duas tendências dá origem, no fundo do mar, a um conjunto de ninhos empacotados, colados uns aos outros com uma forma poligonal, conforme figura acima. Comos vimos, estas formas emergem acidentalmente como resultado do balanço entre aquelas duas tendências, definindo assim um padrão autoorganizado semelhante ao empacotamento hexagonal de berlindes dispostos num prato e a muitos outros exemplos que encontramos na natureza (ver figura abaixo).

Favo de melAnonasLichiasAnanás Amoras silvestresRomãsCélulas
Exemplos de empacotamento hexagonal na natureza, nos favos de abelha, anonas, líchias, ananás, amoras, romãs e células de uma folha, respectivamente.

Normalmente, os processos de feedback positivo que encontramos na natureza estão naturalmente limitados por mecanismos de feedback negativo. Por exemplo, os peixes-guelra-azul machos têm tendência a escolherem território perto uns dos outros, tal como as tilápias, no entanto não encontramos na natureza colónias com excesso de população. Existem certos limites à sua tendência comportamental para se agruparem: - Factores como o excesso de indivíduos face ao alimento disponível, ou mesmo o elevado número de machos, impõem limitações naturais.

Pilha de areia

Um outro exemplo ilustra a relação entre feedback positivo, com origem comportamental e o feedback negativo, que aparece naturalmente como um constrangimento físico do sistema. Suponhamos uma criança na praia que se propõe construir o monte de areia mais alto que conseguir. Vai deitando areia numa zona escolhida para o efeito seguindo a regra de feedback positivo: "deitar mais areia onde a pilha está mais alta" fazendo desta maneira o monte crescer rapidamente. No entanto, para frustração da criança, a partir de uma certa inclinação limite, cada novo acrescento de areia provoca pequenas avalanches que servem de travão a que o monte fique mais inclinado e que o faz voltar sempre ao mesmo ângulo limite. Neste exemplo, juntamente com o feedback positivo proveniente do comportamento da criança, aparece naturalmente o feedback negativo, proveniente dos constrangimentos físicos impostos pela gravidade e pela fricção entre grãos de areia. Dito de outra maneira, para uma certa qualidade de grãos de areia, por mais que a criança tente aumentar a inclinação do monte, este autoorganiza-se de forma a regressar ao seu ângulo de repouso.

Vemos assim que a tendência amplificadora do feedback positivo acoplada ao feedback negativo constitui um mecanismo poderoso para criar estrutura e padrões em diversos sistemas físicos e biológicos.