Autoorganização em sistema biológicos

Caricatura de Darwin
Caricatura de Darwin.

A teoria da evolução de Darwin deve o seu sucesso não só à sua simplicidade como à sua concordância com a intuição e análise que desenvolvemos no nosso dia-a-dia quando olhamos para nós próprios e para a diversidade do nosso meio ambiente. A selecção natural, a competição por alimento e acasalamento, a sobrevivência dos mais aptos, a mutação genética, são conceitos familiares com os quais podemos interpretar e compreender a diversidade na vida que encontramos à nossa volta.

No entanto, se parece natural o caminho evolutivo que levou as flores a desenvolverem as cores luxuriantes que lhes reconhecemos, de modo a captarem a atenção dos insectos necessários a uma polinização eficaz, já não é trivial percebermos como é que algumas formas de vida desenvolveram aptidões tão complexas, como as representadas no grupo de figuras abaixo. É o caso das abelhas, que são arquitectas de primeira qualidade na construção dos favos (à esquerda), como algumas espécies de térmitas, que constroem "castelos" de terra com milhares de vezes o tamanho de cada uma delas (à direita), os castores e os seus diques (à direita, em baixo), ou ainda as formigas, com as suas sociedades extremamente organizadas (em baixo, à esquerda).

Favos de mel.Construções de terra feitas pelas térmitas.Construções de terra feitas pelas térmitas. FormigasDique construído por castores.Estrutura com a forma de favos de mel contruída pela barroeira (Sabellaria alveolata).
Exemplos de estruturas complexas que podemos encontrar na natureza, quer ao nível da engenharia, quer ao nível social.

De facto, apesar das regras simples de comportamento que observamos na maior parte das formas de vida, isso não as impede de comporem ou construírem estruturas e padrões complexos caracterizados por ordem emergente. Entender como esta ordem surge é um dos objectivos da Biologia, que recentemente tem usufruído de um conceito poderoso para a formação de padrões inicialmente desenvolvido para sistemas físicos: a autoorganização.


O que é a autoorganização?

A autoorganização apareceu pela primeira vez no contexto de sistemas físicos famosos como a convecção de Bénard ou a reacção de BZ. Hoje o conceito possui uma grande aplicabilidade e foi importado por diversos campos da ciência. Essencialmente, a autoorganização refere-se a processos de formação de padrões em sistemas que vão da Física à Biologia.

Aquilo que define quando é que um sistema é autoorganizado é a forma como este adquire ordem e estrutura: - Nestes sistemas a formação do padrão ocorre através de interacções internas ao sistema sem a intervenção de directivas exteriores. Isto significa que sistemas nos quais existe um líder, ou uma receita, ou um molde, não são autoorganizados. Por exemplo, o padrão obtido por um conjunto de remadores, que remam sincronizados sob o ritmo imposto por um líder, não é autoorganizado, precisamente porque neste caso existe um líder que determina a criação do padrão.

Auto-organização em padrões observados nas dunas.Auto-organização em padrões observados nas nuvens.
Padrão autoorganizado à superfície de uma duna (esquerda) e nas nuvens (direita).

Outro dos aspectos importantes nos sistemas autoorganizados é que as suas partes, responsáveis pelo padrão global, apenas interagem entre si localmente, sem terem conhecimento do sistema como um todo. Neste sentido diz-se que a informação é local o que leva a que o padrão emergente seja uma propriedade do sistema como um todo, inalcançável por cada uma das suas partes separadamente. Dito de outra maneira, o padrão de um sistema autoorganizado não pode ser entendido examinando isoladamente as propriedades dos seus constituintes.


Padrões na Biologia

Para entendermos a definição de autoorganização e entendermos como o conceito pode ser útil na análise de diversos sistemas biológicos, precisamos de definir o que é um padrão: Essencialmente, um padrão é um arranjo particular, organizado, de objectos no espaço e/ou no tempo.

Observamos um padrão num cardume, numa coluna de formigas em movimento, no piscar síncrono de pirilampos ou ainda na complexa arquitectura das térmitas. Os favos de abelha formam um padrão, assim como os diques construídos por castores, entre muitos outros. Além destes padrões com origem no comportamento de cada uma das espécies, observamos padrões na pigmentação de certos animais ou no crescimento do líquen (ver figura abaixo).

zebras concha líquen
Exemplos de padrões autoorganizados na natureza.

É importante realçar que nos diferentes padrões as unidades fundamentais são diferentes. Estas podem ser formas vivas, como formigas ou peixes, mas podem ser também matéria inanimada como partículas de terra, troncos ou cera. No entanto, em todos os casos existe uma determinada forma de vida que cria o padrão sem recorrer a líderes, influências externas ou receitas predefinidas. O padrão emerge exclusivamente do resultado da troca de informação local dos seus responsáveis. Num cardume, um único peixe não tem conhecimento do movimento do cardume como um todo, mas com base em regras simples, que o mandam nadar próximo do peixe que vai à sua frente e ao seu lado, sem se aproximar demasiado, para não chocar, contribui para o padrão global de um cardume que se desloca fazendo lembrar uma nuvem.

Cardume Manada de caribus.
Uma regra de interacção local "Eu vou por onde tu fores sem me aproximar demasiado de ti", dá origem a um padrão global.

Se em sistemas que não são autoorganizados mas que possuem ordem é imediato percebermos como é que essa ordem aparece, como numa teia de aranha, ou numa casa construída sob a direcção de um engenheiro, os sistemas autoorganizados deixam-nos o desafio de percebermos como é que a partir das suas interacções internas emerge o padrão ordenado. O mais surpreendente e fascinante na auto-organização é que interacções simples entre os agentes do sistema podem dar origem a padrões de extraordinária complexidade e este facto tem gerado grande expectativa quanto à possibilidade de entendermos como é que algumas formas de vida de "software" simples, conseguem globalmente produzir complexidade.

Para desvendarmos um pouco mais sobre a organização destes sistemas precisamos de conhecer os mecanismos básicos a partir dos quais um sistema se autoorganiza.