O poder das leis de potência

É da maior importância, na arte da detecção, ser-se capaz de discernir os factos que são secundários dos que são vitais. Pois, caso contrário, a nossa energia será dissipada em vez de ser concentrada.

Sherlock Holmes -O Enigma de Reigate

Os físicos são treinados para trabalhar com dados experimentais, encontrar regularidades e semelhanças, e a partir destes construir teorias fenomenológicas e derivar leis empíricas. Por outro lado a Física Estatística está equipada com uma série de abordagens úteis para sistemas compostos de muitas partículas em interacção. As abordagens que parecem mais promissoras são as que advieram do estudo do ponto crítico, onde se verificou que sistemas diferentes são governados pelas mesmas leis. O ponto crítico é caracterizado pela ausência de um valor típico de algumas grandezas físicas. Por exemplo um fluido no ponto crítico é uma mescla intricada de bolhas e gotas, cujas dimensões variam desde a escala atómica até às dimensões da amostra, enquanto que longe do ponto crítico as bolhas ou gotas têm um tamanho típico. A assinatura do ponto crítico é o aparecimento de leis de potência entre várias grandezas físicas.

Curiosamente os físicos têm descoberto numerosas leis de potência em mercados financeiros diversos. Entre estas destacam-se, pela simplicidade das grandezas envolvidas, o tamanho das flutuações e respectiva frequência relativa do índice das 1000 maiores empresas cotadas na bolsa de Nova Iorque, durante os anos 1994-95, com resolução de 5 min (gráfico da esquerda), ou as flutuações do DAX (índice das trinta maiores empresas alemãs cotadas em bolsa) e a respectiva frequência relativa durante o período 1998-99 (gráfico da direita):

Lei de potência nas flutuações do índice das 1000 maiores empresas cotadas na bolsa de Nova Iorque.
V. Plerou et al (BU group), 1999
Lei de potência nas flutuações do DAX.
S. Drożdż at al, Acta Phys. Pol. B 34 (2003) 4293-4306

assim como o volume (número de acções transaccionadas por dia) e respectiva frequência das 1000 maiores empresas cotadas na bolsa de Nova Iorque no período de 1994-95, das 30 maiores empresas da bolsa de Paris, no período 1995-1999 e das 250 maiores empresas da bolsa de Londres (LSE), em 2001 (gráfico da esquerda) sendo a relação igualmente válida para acções individuais (gráfico da direita):

Lei de potência no volume diário das acções da General Electric, Coca Cola e AT&T.
X. Gabaix at al 2000

É notável a semelhanças dos expoentes das leis de potência nos exemplos anteriores, onde sistemas económica, social, fiscal e politicamente diferentes parecem obedecer às mesmas leis. Os físicos acham este facto particularmente curioso, pois não só as grandezas dos sistemas físicos no ponto crítico estão relacionadas por leis de potência, como também os expoentes dessas leis são os mesmos para a mesma classe de sistemas. Por esta razão os físicos desconfiam que os expoentes das leis de potência que aparecem nos mercados financeiros devam estar relacionados entre si, por analogia com o que acontece em sistemas físicos no ponto crítico.

As leis de potência não eram completamente desconhecidas dos economistas, uma vez que a primeira lei de potência foi descoberta por Pareto, um engenheiro civil que se dedicou à economia, e relacionava a riqueza e o número de indivíduos com essa riqueza. Contudo os economistas olharam para estas leis com desconfiança e não as levaram a sério. Entretanto, os físicos descobriram que cada classe de sistemas físicos no ponto crítico é completamente determinada pelo conhecimento dos expoentes das leis de potência, e concluiram que as leis de potência dos mercados financeiros podem ter um papel importante para a compreensão destes.

Os físicos são igualmente treinados para construir modelos com regras de interacção minimalistas entre os elementos (partículas ou agentes) do sistema, que exibam as características macroscópicas que se pretendem modelar. Estes modelos são vitais para a compreensão do fenómeno, pois, antes de tornarmos o modelo mais realista, precisamos de ter uma ideia em que alavancas se deve mexer para que o modelo exiba o comportamento pretendido. A nossa abordagem do comportamento ao nível microscópico difere da dos economistas, pois não supomos necessariamente a existência de agentes idênticos, típicos, independentes e de inteligência infinita, nem que as propriedades do agregado sejam a soma das propriedades dos indivíduos. Parece-nos pouco plausível que os agentes dos mercados financeiros satisfaçam estas condições, e a profusão de leis de potência indicia a ausência de elementos típicos e de fortes interacções entre estes, por analogia com o que se passa em sistemas físicos no ponto crítico.

Pensamos que a lei de potência das flutuações dos preços é uma propriedade emergente, i.e. as flutuações dos preços resultam das interacções entre os indivíduos, mas não são uma propriedade destes, tal como os engarrafamentos são uma propriedade emergente das interacções entre os carros e não uma propriedade dos carros. Para os físicos, as leis de potência observadas nos mercados financeiros são um sintoma de autoorganização crítica, pois existem indícios de que a própria actividade económica esteja autoorganizada criticamente, assim como o modelo minimal para a ilustrar, construído por Per Bak at al. Vejamos o modelo.

A ideia consiste em construir uma rede simplificada de produtores (ilustrados pelos quadrados) que compram produtos a fornecedores (a compra é ilustrada pelas setas) na figura seguinte

Modelo da actividade económica de Per Bak.

Note-se que a distribuição dos produtores na rede não corresponde a uma distribuição geográfica, mas sim às relações comerciais entre estes. As regras desta economia virtual são as seguintes e estão exemplificadas na figura:

  1. Todas as semanas um consumidor (seta vertical) entra ao acaso numa das lojas da linha dos serviços e compra um produto. Se a loja tiver o produto em armazém (bola preta), vende o produto, caso contrário aplica-se a regra 2 e o produto é entregue ao consumidor no fim da semana.
  2. Se a empresa não tiver o produto em armazém (bola branca), encomenda uma mercadoria a cada um dos seus dois fornecedores, fabrica dois produtos (bola cinzenta) (assume-se que por economia de escala cada empresa produz zero ou dois produtos), envia as encomendas que recebeu (uma ou duas) e guarda o excedente em armazém (zero ou um produtos).
  3. Se a empresa que recebeu a encomenda pertence à linha da indústria extractora, satisfaz a encomenda se tiver um produto em armazém, caso contrário extrai dois recursos naturais, produz dois produtos, satisfaz as encomendas e guarda o remanescente (zero ou um produtos) em armazém.
  4. A eventual cascata de encomendas (polígono irregular da figura) é processada de forma suficientemente rápida para que o consumidor final receba o seu produto no fim da semana.
"Avalanches" no modelo da actividade económica de Per Bak.

Cada semana uma encomenda do consumidor adiciona quer uma unidade ao PIB pela venda de um único produto quer uma avalanche de actividade económica que adiciona n unidades ao PIB como resultado da venda de n produtos. O número de unidades s adicionadas ao PIB e a respectiva abundância N(s) obedecem à lei de potência N(s) = s4/3. No próximo tópico veremos um outro modelo simples que mostra como os mercados financeiros podem ser eficientes sem que necessariamente os agentes intervenientes tenham inteligência infinita (durante muitos anos a suposição dos economistas).