O veredicto da realidade

Pilhas de arroz

A Natureza não tem que obedecer às nossas ideias e as nossas intuições podem estar completamente erradas. A teoria tem pois de ser confrontada com observações para que possamos responder à questão:

As pilhas de areia autoorganizam-se realmente num estado crítico?

Uma das experiências mais famosas realizada por Frette e colaboradores, com o propósito de estudar as pilhas de areia, é a das pilhas de arroz. Os grãos de arroz têm a enorme vantagem de serem suficientemente grandes para se poder seguir visualmente o movimento de cada grão.

A experiência consiste em confinar a pilha de arroz entre duas placas de vidro paralelas e verticais distando cerca de 80% do comprimento dos grãos de arroz, para que estes possam ser observados a olho nu ou gravados por uma câmara de vídeo e analisados por computador. Na experiência um dos lados verticais está obstruído por uma haste metálica, assim como a base tendo esta última comprimento L, onde L = 16, 33, 66 ou 105 comprimentos de grãos de arroz. Para cada comprimento L deixam-se cair os grãos de arroz do lado obstruído à razão de 20 por minuto. Quando se atinge o regime estacionário, a câmara e o computador começam a monitorizar o movimento dos grãos, coligindo imagens a cada 15 segundos durante 42 horas. A figura da direita mostra a sobreposição de duas dessas imagens consecutivas, onde a cinzento estão representados os grãos de arroz que estão na primeira imagem, mas já não estão na segunda e a preto os outros.

Avalanche numa pilha de arroz.Sobreposição de duas imagens em dois instantes consecutivos.

Para cada duas imagens consecutivas o tamanho E da avalanche foi definido como sendo a soma das áreas a cinzento e a abundância relativa p(L,E) em função do tamanho de avalanche E foi registrada no gráfico seguinte, onde o aumento do comprimento dos tracejados corresponde ao aumento dos valores de L. A esperada lei de potência entre a abundância relativa e o tamanho das avalanches foi verificada.

Gráfico da probabilidade de avalanche em função do tamanho da avalanche.

A deposição de sedimentos

Deposição de sedimentos num fundo marinho.

Um outro exemplo de avalanches (de areia) é o da formação de rochas sedimentares, chamadas turbiditos, nos fundos oceânicos. O mecanismo da sua formação é o seguinte:

  1. Através de vários processos de transporte os detritos vão-se acumulando ao longo do talude continental, assim como no bordo da plataforma continental.
  2. Mais cedo ou mais tarde o declive torna-se instável e ocorre uma avalanche. Esta origina uma dupla camada, onde os sedimentos mais grossos ficam no fundo e os mais finos no cimo.
Avalanche no talude continental (durante).Avalanche no talude continental (depois).

Este tipo de rocha pode ser observado, por exemplo, na praia da Foz, Setúbal, cf. imagem seguinte.

Turbiditos na praia da Foz, Setúbal.

Medindo a espessura das camadas, espessura esta que varia entre alguns centímetros e vários metros, podemos estimar o tamanho da avalanche que lhe deu origem. Foi precisamente isto que o grupo de Daniel Rothman, MIT, fez para uma formação de turbiditos em Kingson Peak, Vale da Morte, tendo obtido o seguinte gráfico entre o tamanho das avalanches h e a frequência das avalanches de tamanho maior que h:

Gráfico do número de camadas com uma determinada espessura em função da espessura.

O gráfico apresenta uma lei de potência, a assinatura da autoorganização crítica.

Pilhas de areia

Em 1992 o grupo de Bretz, na Universidade do Michigan, realizou experiências com areia verdadeira. As experiências consistiram em filmar com uma câmara de vídeo as avalanches, digitalizar os filmes e calcular o tamanho das avalanches. Os resultados mostraram que alguns sistemas realmente exibem leis de potência, enquanto outros não.