Folding in silico II: Modelos de rede

Num modelo de rede, ao contrário do que se passa com as simulações por dinâmica molecular, não estamos interessados no detalhe à escala atómica. Assim, a proteína é representada apenas pela cadeia principal de aminoácidos e cada um destes por uma esfera colorida que o identifica do ponto de vista químico. As esferas ocupam os nodos da rede (quadrada ou cúbica) e as ligações peptídicas entre os aminoácidos ao longo da cadeia dispõem-se segundo as arestas da rede (ver figura seguinte).

Modelo de rede.
A representação de uma proteína na qual se dá ênfase ao detalhe atómico (à esquerda) e a representação de uma proteína num modelo de rede tridimensional (ou rede cúbica) em que se considera apenas a cadeia principal de aminoácidos.

Modelo HP

Dentro da classe dos modelos de rede, o modelo H-P (em inglês, Hydrophobic-Polar), que é um dos mais simples, tem como objectivo principal explorar o papel das interacções entre os aminoácidos e as moléculas de água durante o processo de folding.

Como já vimos os aminoácidos podem ser classificados em hidrofóbicos - se ‘não gostam’ de água - ou polares - se ‘gostam’ de água. No que se segue veremos que, até mesmo sem fazer qualquer simulação computacional, é possível identificar alguns aspectos importantes do problema do folding recorrendo a este modelo numa rede bidimensional. Comecemos por considerar a figura abaixo na qual a proteína (na realidade um pequeno péptido com alguns aminoácidos apenas) "vive" numa rede quadrada.

A representação de uma proteína no modelo H-P.
A representação de uma proteína no modelo H-P. Como a cadeia polipeptídica não se quebra durante o processo de folding apenas as interacções representadas a verde na figura do meio (ditas interacções de contacto) contribuem para a energia total da molécula.
  • Os aminoácidos hidrofóbicos são representados a encarnado e os polares a azul.
  • A energia de interacção, ε, entre aminoácidos é igual a zero excepto entre pares de aminoácidos hidrofóbicos, para os quais vale -1. Porquê? O facto da energia de interacção entre dois aminoácidos que não gostam de água ser mais baixa, significa que estes aminoácidos vão procurar interagir mais entre si do que com as moléculas de água para que a energia total da molécula seja a mais baixa possível no estado nativo. Os aminoácidos hidrofóbicos tendem assim a agrupar-se no interior da proteína minimizando as interacções com a água e maximizando as interacções entre si.
  • As ligações (peptídicas) entre os aminoácidos ao longo da cadeia não se quebram durante o folding pelo que apenas as interacções ditas de contacto (a verde na figura acima) contam para a energia total de uma certa conformação, isto é, de um certo arranjo geométrico da cadeia de aminoácidos na rede.
  • A energia total de uma conformação é assim a soma das energias de todos os pares de aminoácidos em contacto.

Degenerescência e Frustração: dois ingredientes essenciais do folding de proteínas

Vejamos agora o que podemos aprender com este modelo. Na figura abaixo estão representadas cinco conformações diferentes e as respectivas energias. Conformações diferentes podem ter energias diferentes (como é o caso de ε1, ε2, ε3) mas também podem ter a mesma energia (por exemplo, ε4 e ε5). Quando duas conformações diferentes apresentam a mesma energia dizem-se degeneradas.

Exemplo de 5 confomações diferentes e as respectivas energias.
Exemplo de 5 conformações diferentes e as respectivas energias. Conformações diferentes e ás quais corresponde a mesma energia (como é o caso de ε3, ε4 e ε5) dizem-se degeneradas.

Para além da degenerescência, estes exemplos servem para ilustrar um fenómeno ainda mais interessante, o fenómeno da frustração. Consideremos os aminoácidos 5 e 7 bem como os seus vizinhos nas conformações ε4 e ε5, respectivamente. Em ε4 o aminoácido 5, que é hidrofóbico, está em contacto com o aminoácido 8 da mesma espécie, numa interacção que é favorável a ambos já que se trata de uma interacção que é estável do ponto de vista energético. Já os aminoácidos 6 e7 não estabelecem qualquer interacção de contacto, e o aminoácido 4 estabelece uma interacção de contacto neutra (com energia igual a zero) com o aminoácido 1. Por outro lado, na conformação ε5, os papéis invertem-se e é o aminoácido 7 que passa a interagir favoravelmente com o aminoácido 4, passando os aminoácidos 5 e 8 a estar desestabilizados.

Duas conformações com a mesma energia total.
As conformações representadas na figura têm a mesma energia total. Diz-se que existe degenerescência. Existe também frustração porque ao competirem entre si pelas posições que minimizam a energia de interacção com os seus vizinhos, os aminoácidos 5 e 7 não conseguem ficar totalmente estabilizados - não ficam igualmente 'satisfeitos' - com todos os seus parceiros de interacção.

Diz-se que existe frustração, porque ao competirem entre si pelas posições que minimizam a energia de interacção com os seus vizinhos, os aminoácidos não conseguem ficar totalmente estabilizados - não ficam igualmente 'satisfeitos' com todos os seus parceiros de interacção - em conformações que têm a mesma energia total.

Estes exemplos mostram que, sem fazermos qualquer cálculo analítico (sem fazermos "contas"!) ou simulação computacional a degenerescência e a frustração são dois ingredientes fundamentais da energética do folding.