Folding de proteínas: O paradoxo de Levinthal e a hipótese cinética

Em 1968, Cyrus Levinthal, um físico de formação que trabalhava em biologia molecular, mostrou que a hipótese termodinâmica de Christian Anfinsen não encerrava de modo algum a discussão sobre o problema do folding das proteínas.

Levinthal

Levinthal levantou uma objecção à ideia implícita na hipótese termodinâmica de que a procura do estado nativo (que é único!) possa ser feita de forma aleatória.

O seguinte argumento mostra que a hipótese termodinâmica não explica a escala de tempo que se observa no processo de folding:

  • Consideremos uma proteína com 100 aminoácidos e suponhamos que cada aminoácido pode estar em dois estados possíveis como se ilustra na figura seguinte:
    Ilustração dos estados dos aminoácidos numa proteína.
    A ideia de que cada aminoácido só pode estar em dois estados possíveis como se ilustra nesta figura é uma simplificação já que o número de conformações a que cada aminoácido tem acesso na estrutura nativa é limitado mas em princípio maior do que dois. Dois é portanto o número mínimo de conformações por aminoácido!
  • Nestas condições a proteína de 100 aminoácidos tem acesso a um total de 2100 ≈ 1030 conformações, que representam todas as combinações possíveis entre os estados a que cada aminoácido tem acesso. Entre essas conformações está a que corresponde ao estado nativo.
  • A proteína não pode passar de uma conformação para outra em menos de 1 picossegundo ( 1 ps = 10-12 s) que é o tempo de uma vibração térmica. Assumindo que uma mudança conformacional ocorre em 1 ps, então seriam precisos 2200 ps, ou seja, 1.3 x 1010 anos, no mínimo, para a proteína explorar exaustivamente (de uma forma aleatória) todo o espaço conformacional e encontrar a conformação correspondente ao estado nativo. Mas esta escala de tempo é da ordem de grandeza da idade do Universo, estimada em 1.4 x 1010 anos!

Estamos assim perante um problema, já que o folding de proteínas deste tamanho leva no máximo alguns segundos. Este resultado, que sugere que a hipótese termodinâmica é incompatível com uma escala de tempo biológica para o folding, viria a ficar conhecido como o paradoxo de Levinthal.

Paradoxo de Levinthal.

A hipótese cinética

Foi o próprio Levinthal o primeiro a propor uma solução para o paradoxo que encontrou. Ao invés de achar o estado nativo através de um processo que envolve a exploração aleatória de todas as conformações a que tem acesso, a proteína percorre antes um caminho de folding (folding pathway) bem definido, composto por vários estados intermediários e no fim do qual se encontra o estado nativo:

Um caminho de folding à Levinthal.
Um caminho de folding à Levinthal. Para chegar ao estado nativo a proteína deve passar por vários estados intermediários de forma a evitar uma exploração aleatória do espaço conformacional.

Os estados intermediários I1, I2, etc. hipotizados por Levinthal são estados cuja estabilidade termodinâmica é tal que o intervalo de tempo que a proteína aí demora é suficientemente longo para que possam ser detectados experimentalmente. No entanto, ao contrário do que acontece na hipótese termodinâmica, o estado nativo (N) não corresponde necessariamente ao estado termodinâmico mais estável, mas sim, ao estado de energia mínima que é o mais acessível do ponto de vista cinético.

Com base na proposta de Levinthal, a investigação experimental em folding de proteínas foi até ao início de 1990 dominada em grande parte pela procura de intermediários suficientemente estáveis para que pudessem ser isolados e devidamente caracterizados.

No entanto, em 1991 descobriu-se que a CI-2, uma pequena proteína com 100 aminoácidos, "folda" rapidamente e sem passar por intermediários estáveis, o que mostra que a existência destes últimos não é de todo um requisito necessário para que o folding seja rápido.

Termodinâmica vs cinética

A perspectiva clássica do folding de proteínas é baseada na dicotomia termodinâmica - cinética e na abordagem tradicional da Bioquímica, que considera cada molécula um sistema único. No entanto, como vimos, nem uma nem outra não resolvem o mistério da forma das proteínas. Como veremos, só a partir dos anos 90 do séc. XX é que se dá um passo em frente no entendimento do fenómeno. Uma das contribuições mais importantes da Física para a compreensão do folding de proteínas foi precisamente a reconciliação das perspectivas de Anfinsen e Levinthal numa teoria unificada que se baseia na natureza estatística do processo.