Proteínas: Estrutura, função e folding

O que são proteínas?

As proteínas são robôs celulares, máquinas moleculares construídas à escala do nanómetro (1nm = 10-9 m) capazes de executar de uma forma espontânea e programada todas as tarefas essenciais à manutenção da vida. No nosso dia-a-dia ouvimos falar com frequência nalgumas classes de proteínas. É o caso das enzimas que aceleram determinadas reacções químicas, dos anticorpos aos quais cabe a tarefa de identificar e eliminar os agentes invasores (vírus e bactérias) e ainda das hormonas que asseguram a transmissão de informação entre células. Mas existem mais, muito mais classes de proteínas. Numa célula humana, por exemplo, podemos encontrar em média 3000 proteínas diferentes.

A hemoglobina, uma proteína cuja funcão é o transporte de oxigénio (à esquerda). Numa célula humana (ao centro) existem em média 3000 proteínas. O corpo humano é constituído por cerca de 10^14 células (à direita).
A hemoglobina, uma proteína cuja função é o transporte de oxigénio (à esquerda). Numa célula humana (ao centro) existem em média 3000 proteínas e o corpo humano, aqui representado pelo Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci (à direita), é constituído por cerca de 1014 células. Assim, existem em média 1017 proteínas no corpo humano. São muitas proteínas!

De um ponto de vista químico as proteínas são polímeros, ou seja, longas cadeias moleculares resultantes da união repetida de várias moléculas menores, os chamados aminoácidos.

E o que são aminoácidos?

Um aminoácido é uma molécula que contém simultaneamente os grupos funcionais amina (NH2) e ácido carboxílico (COOH). Essencialmente cada aminoácido possuí uma base comum, e um grupo lateral, ou resíduo (R), sendo este último o responsável pelas propriedades químicas de cada aminoácido.

Aminoácidos
Exemplo de dois aminoácidos: a glicina (à esquerda) e a cisteína (à direita). O átomo de oxigénio (O) do grupo ácido (COOH) está representado a encarnado, o carbono (C) a cinzento escuro, o hidrogénio (H) a cinzento claro e o azoto (N) a azul. No caso da cisteína, o resíduo (CH2S) possuí um átomo de enxofre (S) representado a amarelo.

A união de dois aminoácidos faz-se através de uma ligação química chamada ligação peptídica. Designa-se por polipeptídica a cadeia que resulta da união de vários aminoácidos. Por este motivo as proteínas são também muitas vezes chamadas moléculas polipeptídicas.

Ligação peptídica.
A união de dois aminoácidos faz-se através da ligação peptídica entre o grupo amina e o grupo ácido carboxílico.

Na natureza existem 20 aminoácidos diferentes, cada um dos quais com propriedades físico-químicas específicas. Relativamente ao tipo de interacção com a água, por exemplo, os aminoácidos podem ser classificados de hidrofílicos, se "gostam" de água, ou de hidrofóbicos se não "gostam de água". Uma vez que o ambiente celular é essencialmente aquoso estas "filias" e "fobias" desempenham um papel particularmente importante na determinação da estrutura tridimensional das proteínas. Na realidade, os aminoácidos hidrofóbicos tendem a evitar o contacto com a água, "escondendo-se" no interior da proteína, enquanto que os hidrofílicos preferem distribuir-se sobre a superfície da molécula ficando em contacto directo com a água.

20 aminoácidos.
Os vinte aminoácidos existentes na natureza identificados pelo símbolo respectivo (à esquerda) e a sua divisão entre o grupo dos hidrofóbicos e dos hidrofílicos (ao centro). A glicina, por exemplo, representa-se pela letra G e a cisteína pela letra C. Tal como o óleo, os aminoácidos hidrofóbicos, dos quais a cisteína é um bom exemplo, não gostam de interagir e de se misturar com a água (à direita).


Níveis de organização estrutural em proteínas

As proteínas são moléculas bastante complexas exibindo uma hierarquia de níveis de organização estrutural que passamos a descrever em seguida.


Estrutura primária: Cadeia polipeptídica

O primeiro nível de organização estrutural é a chamada estrutura primária. Esta última não é mais do que a sequência específica de aminoácidos que compõe a cadeia polipeptídica.

Estrutura primária de uma proteína.
A estrutura primária de uma proteína é a sequência de aminoácidos que compõe a cadeia polipeptídica.


Estrutura secundária: A hélice-alfa e a folha-beta

A cadeia polipeptídica é flexível podendo rodar em torno de três ligações químicas diferentes como se mostra na figura seguinte e neste vídeo.

Estrutura secundária resultada da rotação em torno das ligações químicas.
A cadeia polipeptídica é flexível. As ligações químicas entre os átomos do aminoácido i da figura definem 3 eixos de rotação(σ,ψ, φ) sobre os quais, a proteína pode rodar acedendo a diferentes configurações espaciais

De todas as configurações espaciais a que a proteína pode aceder a hélice-alfa e a folha-beta, descobertas no início dos anos 50 do séc. XX por Linus Pauling e Robert Corey, são as mais comuns (ver figura seguinte). A este nível de organização estrutural, que para além das ligações peptídicas, também envolve as chamadas ligações por pontes de hidrogénio, um tipo de interacção electrostática entre os átomos de hidrogénio e oxigénio, chamamos elementos de estrutura secundária.

Hélice alfa.
Elementos de estrutura secundária mais comuns: A hélice-alfa (à esquerda) e a folha-beta (à direita) aqui representadas na chamada representação em "laço". As pontes de hidrogénio, interacções de natureza essencialmente electrostática, responsáveis pelo establecimento destas estruturas estão indicadas a tracejado.


Estrutura terciária: Junção de estruturas secundárias

O resultado das interacções hidrofóbicas entre os aminoácidos e a água é a coalescência e o empacotamento dos elementos de estrutura secundária naquilo a que geralmente se chama a estrutura terciária da proteína. O arranjo tridimensional (ou conformação) dos átomos da proteína na estrutura terciária é de extrema importância porque geralmente coincide com a chamada estrutura nativa, a estrutura que confere à proteína uma função biológica específica.

Proteínas
Alguns exemplos da estrutura terciária que coincide com a forma biologicamente activa da proteína


Folding de proteínas

Enzima em preseguição de um substracto.
Enzima em perseguição de um substrato

Um dos mais importantes princípios da Biologia Molecular é a ideia de que a estrutura nativa de uma proteína determina a sua função biológica. Como a vida depende largamente da existência e do funcionamento correcto de uma miríade de proteínas a compreensão de como se forma a estrutura nativa da proteína, num processo que envolve o enrolamento e a dobragem (folding em inglês) da cadeia polipeptídica (veja aqui uma representação animada do folding de uma proteína) é um problema de suma importância. Esta é na realidade uma questão-chave que despertou a atenção de bioquímicos e especialistas em genética no início da 2ª metade do séc. XX e que é hoje em dia um problema claramente interdisciplinar que requer a utilização de ferramentas desenvolvidas em disciplinas como a química, a biologia celular, a fisiologia e a medicina e para o qual o contributo da Física tem sido fundamental.