As ferramentas certas

Fantasmas segurando buzinas.
Isto não resulta... Temos que arranjar umas correntes.

Cada ofício precisa das ferramentas certas. A Física não é diferente e entre as suas ferramentas mais poderosas encontram-se as funções, as equações diferencias e os retratos de fase.

Funções

Gráfico da função y = x².
Gráfico da função y = x².

Uma função é a representação da relação entre duas ou mais grandezas físicas. Os matemáticos despem-nas do seu significado físico e chamam-lhes apenas incógnitas ou variáveis. Pode parecer estranho, mas essa é a força da Matemática, como Poincaré tão bem o explica:

Os matemáticos não lidam com objectos, mas com as relações entre objectos; estão, assim, livres para substituir objectos por outros objectos desde que as relações se mantenham. Para eles o conteúdo não tem importância: apenas a forma os interessa.

Alguns exemplos de grandezas físicas são o tempo, a massa, o comprimento, a posição, a velocidade, a aceleração, a força, etc. Alguns exemplos de funções são as que expressam a segunda lei de Newton, a lei de Hooke e a lei da atracção universal. De particular interesse são as funções que descrevem a evolução de um sistema ao longo do tempo, pois através delas ficamos a conhecer o seu passado e o seu futuro. Por exemplo, se conhecermos a posição de uma partícula em função do tempo r = f(t), conhecer a sua posição em qualquer instante t é uma trivialidade, além de que essa função nos permite determinar em que instantes t a partícula esteve numa dada posição r0, resolvendo a equação f(t) = r0 em ordem a t.

Equações diferenciais

Da mesma forma que escrevemos equações para saber para que valores da variável uma função tem um determinado valor, podemos escrever equações cujas soluções não são números, mas sim funções! Essas equações exprimem as leis das quais resultam as funções que relacionam grandezas de um sistema, e chamam-se equações diferenciais porque relacionam a função incógnita com as suas derivadas.

A segunda lei de Newton é uma das leis que se traduz em equações diferenciais, pois a aceleração não é mais do que a segunda derivada da posição em ordem ao tempo e para muitos sistemas físicos a força só depende da posição das partículas, tal como é o caso da lei de Hooke (que descreve a oscilação de uma mola) e da lei da atracção universal.

As forças que actuam sobre um pêndulo.
As forças que actuam sobre um pêndulo.

A título ilustrativo, vejamos em detalhe a equação diferencial que descreve o movimento de um pêndulo. Sobre o pêndulo actuam três forças: a tensão T, o peso mg e a força de atrito do ar Fa. É claro que a força resultante segundo a direcção do fio é nula, pois a esfera azul não se move nessa direcção (assume-se que o fio não é elástico), apenas se move na direcção perpendicular ao fio. A tensão equilibra a componente do peso segundo a direcção do fio. Dado que a força de atrito do ar é proporcional à velocidade (a constante de proporcionalidade k depende da forma do objecto), a força resultante segundo a direcção perpendicular ao fio é então: F = m g senθ - k v. Pela segunda lei de Newton temos: m a = m g senθ - k v, onde a aceleração a e a velocidade v são o produto do comprimento do fio pela segunda e primeira derivadas em ordem ao tempo do ângulo θ. Quando o ângulo de oscilação θ é suficientemente pequeno, sen θ é aproximadamente igual a θ e podemos tomar m g senθ ≈ m g θ. Consequentemente, a segunda lei de Newton reduz-se, nesta aproximação e para este sistema, à seguinte equação diferencial:

\frac{d^2\theta}{dt^2}+\alpha\frac{d\theta}{dt}-\omega^2\theta=0

onde ω²= g/l e α = k/m. As soluções desta equação diferencial são da forma Ae-αtsen(ωt + φ), onde A e φ são constantes que podem tomar qualquer valor. Não é surpresa que uma equação diferencial possa ter mais do que uma solução, pois o mesmo pode acontecer com as equações algébricas do segundo, terceiro e quarto grau, para as quais conhecemos as soluções explícitas. Também existem classes de equações diferenciais para as quais conhecemos as soluções explícitas e, quando não as conhecemos, usamos computadores para obter soluções numéricas. Apesar das soluções da equação diferencial do pêndulo envolverem duas constantes desconhecidas, A e φ, a solução é única se conhecermos a posição e a velocidade inicial (às quais chamamos condições inicias). Em geral a solução de uma equação diferencial fica completamente determinada pelo conhecimento das condições iniciais, cujo o número é igual à ordem da maior derivada.

O retrato de frase

O retrato de fase é uma maneira de representar todas as evoluções possíveis de um sistema, para as diferentes condições iniciais. Vejamos como se constrói. Para começar precisamos de um sistema de coordenadas: a posição e a velocidade no caso do pêndulo ou, no caso geral, as grandezas correspondentes às várias condições iniciais. Neste sistema de coordenadas podemos representar as trajectórias descritas pelos pontos (x,v) conforme ilustrado no seguinte vídeo.

Construção do espaço de fase.
Retrato de fase.
Construção do espaço de fase.

Felizmente, há vários aspectos do comportamento do sistema que podem inferir-se sem se resolver a equação diferencial. O truque consiste em colocar em cada ponto do espaço de fase o vector tangente à trajectória da curva, o qual se obtêm directamente dos coeficientes da equação diferencial. Para se vislumbrar o futuro do sistema basta seguir as setas! Para se obter as setas, o segredo consiste em transformar a equação diferencial num sistema de equações diferenciais de 1ª ordem. Tal faz-se da seguinte maneira:

\frac{d^2x}{dt^2}+\alpha\frac{dx}{dt}-\omega^2x=0\Leftrightarrow\begin{cases}\frac{dx}{dt}=y \\ \frac{dy}{dt}=-\alpha{y}+\omega^2x\end{cases}

O vector tangente em cada ponto (x,y), não é mais do que o par ordenado obtido do 2º membro do sistema de equações anterior, i.e. (y,-αy + ω²x).