Gravitação de Einstein

Em 1905, Albert Einstein conseguiu descrever as leis da Física de maneira a que fossem as mesmas para observadores livres da influência de qualquer força externa e de modo a que esses observadores medissem a mesma velocidade para a luz no vácuo. Mas como todos os corpos estão sujeitos à acção da força da gravidade, na década seguinte Einstein procedeu à extensão dessa teoria, dita da Relatividade Restrita, por forma a incorporar essa influência externa particularmente importante. Em 1907 dá-se conta de um facto extraordinário, um observador em queda livre não sente a presença do campo gravitacional e, portanto, a esta classe de observadores aplicam-se as leis da Relatividade Restrita. Isto queria dizer que, se conseguisse distribuir observadores em queda livre por todos os pontos do espaço, onde existe um campo gravitacional, poder-se-ia usar em cada ponto as leis da Relatividade Restrita e só se necessitaria de saber como transformar os resultados vistos por um desses observadores, nos dos observadores vizinhos. Este último problema já tinha sido resolvido pelos matemáticos com o desenvolvimento do Cálculo Tensorial e da Geometria Diferencial.

Observador em queda livre.
Observador em queda livre.

O que se revelou totalmente inesperado neste programa foi que a remoção da presença explícita do campo gravitacional, mediante a definição, ponto a ponto, de observadores em queda livre, acarretava que o espaço-tempo era curvo. Para se ter uma ideia deste efeito pense-se no caso relativamente simples do Sol e do sistema solar. Os planetas que orbitam em torno dele estão em queda livre. É o caso da Terra, naturalmente, e por isso não se nos torna perceptível estarmos, em cada instante, sujeitos ao campo gravitacional do Sol.

Deformação do espaço-tempo provocada pelo Sol.
Deformação do espaço-tempo provocada pelo Sol.

Ora é claro que as órbitas dos planetas (e demais objectos do sistema solar) podem ser obtidas deformando o espaço à volta do Sol de maneira conveniente. O objectivo consiste em transformar os movimentos desses “graves” nas trajectórias que seriam percorridas por berlindes imaginários deslocando-se sem atrito no espaço encurvado. Isso consegue-se criando uma espécie de cova com curvas de nível elípticas (cf. experiência no Pavilhão do Conhecimento, Parque das Nações). Naturalmente que o Sol estaria num dos focos do “fundo” da cova e que o grau de deformação do espaço depende evidentemente da sua massa.

Deformação das trajectórias de luz.
Deformação das trajectórias de luz.

Esta ideia de deformar o espaço-tempo tem também consequências sobre a luz. Por um lado, as trajectórias da luz devem reflectir a deformação do espaço-tempo, quer dizer serão curvas em vez de linhas rectas. Por outro lado, a frequência da luz depende da intensidade do campo gravítico. Isso percebe-se se pensarmos num feixe de luz com uma frequência bem definida a ser emitida do alto de uma torre e dirigido para baixo, para o solo. Na torre existe um elevador com cabine transparente que é largado em queda livre no mesmo instante em que a luz é emitida. Nesse instante um observador no interior da cabine e outro fora dela coincidem nos valores que obtêm para a frequência da luz, uma vez que estão instantaneamente em repouso um em relação ao outro. No interior da cabine o observador mede sempre esse mesmo valor para a frequência da luz dado que, estando em queda livre, para ele são válidas as leis da Relatividade Restrita. Quando a luz chega ao solo da cabine, um observador, fora dela e solidário com a torre, está, do ponto de vista do observador em queda livre, a mover-se na sua direcção exactamente com o módulo da velocidade que o elevador adquiriu relativamente à torre durante o breve lapso de tempo em que decorreu a queda. Assim o observador externo deve medir, de acordo com o efeito Doppler, uma frequência diferente da sua e esta será, naturalmente, maior do que aquela que é medida pelo observador em queda. Como o campo gravítico na emissão do sinal de luz é diferente daquele que se tem na sua recepção existe assim um desvio espectral de origem gravitacional.

Einstein demorou alguns anos a descobrir as equações que regem a maneira como o campo gravitacional é transmutado numa deformação do espaço-tempo. Em 1915 estabeleceu finalmente as suas famosas equações da teoria da Relatividade Geral que relacionam a curvatura do espaço-tempo com a distribuição de massa/energia presente nele. Pouco depois, logo em 1917, aplicou as suas equações ao Universo admitindo a distribuição de matéria mais simples possível. Considerou que as galáxias se distribuem de maneira homogénea e que podem ser aproximadas pela descrição matemática de um fluido material sem pressão (uma espécie de poeira). Algo de estranho sucedia nesse modelo. Não se conseguia estabelecer uma configuração estática do Universo, pois qualquer pequena perturbação local que originasse uma variação relativamente à homogeneidade perfeita originaria o seu colapso gravitacional, algo que Einstein não desejava. Einstein cometeu então aquele que nas suas palavras foi “o maior erro” da sua vida: sucumbiu ao preconceito do Universo estático e introduziu nas equações uma força repulsiva que produzia esse efeito. Tecnicamente isso corresponde a incluir nas suas equações um termo adicional que envolve uma constante, Λ, a chamada constante cosmológica.

Willem de Sitter.
Willem de Sitter.

No mesmo ano, o físico holandês Wilhelm de Sitter obtinha uma solução de vácuo em que o Universo estaria apenas preenchido por essa constante cosmológica e, surpresa das surpresas, a luz apresentaria nesse modelo desvios espectrais. Quer dizer, ironia das ironias, como alguém disse: O Universo de Einstein era matéria sem movimento e o de de Sitter movimento sem matéria. Na verdade a compreensão de que a solução de de Sitter incluía a expansão surgiu na sequência dos trabalhos do russo Alexander Friedmann que, em 1922, obteve as soluções cosmológicas exactas para o Universo espacialmente plano contendo poeira, quer dizer para o modelo de Einstein, sem a constante cosmológica. As soluções correspondiam a um Universo em expansão e com os trabalhos do abade belga George Lemaître, este facto ganhou maior relevo. Lemaître que, em 1925, redescobriu independentemente as soluções de Friedmann, dedicou grande atenção às consequências físicas mais importantes de um Universo em expansão. Foi ele, aliás, quem também mostrou que a solução obtida por Einstein era instável e que o seu Universo estático se transmutaria num Universo em expansão (ou em colapso) quando sujeito a uma perturbação tão pequena quanto se quisesse. Um Universo em expansão implicava que, no passado, ele tinha sido mais pequeno e, levando o raciocínio às suas últimas consequências, teria partido de uma gigantesca concentração de matéria inicial: aquilo que Lemaître designou por Átomo Primordial. Lemaître percebeu ainda que o fenómeno da instabilidade gravitacional num Universo em expansão poderia estar na origem da formação de concentrações localizadas de matéria que estariam assim relacionadas com as galáxias.

Curvatura das superfícies espaciais, de cima para baixo: curvatura esférica, curvatura hiperbólica, curvatura plana.
Curvatura das superfícies espaciais, de cima para baixo: curvatura esférica, curvatura hiperbólica, curvatura plana.

Assim, no início dos anos 30, a Teoria da Relatividade previa um Universo dinâmico, possivelmente em expansão e isso resultava apenas de supor que o Universo era homogéneo e isotrópico a larga escala. Se o Universo nos parece ser o mesmo em todas as direcções espaciais quando olhamos para grandes escalas, é razoável admitir que também assim é visto de qualquer outro ponto do espaço. Na verdade, partindo deste princípio cosmológico (Milne) que nos diz que não há nada de particularmente especial na nossa posição como observadores, somos levados a restringir a geometria do espaço-tempo aos casos em que a curvatura é constante em todos os pontos do espaço, em cada instante do tempo cósmico. Isso significa modelos geométricos com homogeneidade e isotropia espacial e o Universo só pode adoptar uma de 3 possíveis geometrias, consoante a curvatura das superfícies espaciais. Num caso, essas superfícies têm curvatura positiva e são fechadas, noutro (caso crítico) são planas e abertas e, no último caso, têm curvatura negativa (hiperbólicas) e são abertas. Nos casos dos modelos abertos a teoria prevê Universos em expansão, no caso dos modelos fechados prevê uma fase de expansão até o Universo atingir uma dimensão máxima a partir da qual se inicia uma fase de contracção simétrica da anterior (figura abaixo).

Gráfico da variação do tamanho do Universo com o tempo para diferentes geometrias.
Gráfico da variação do tamanho do Universo com o tempo para diferentes geometrias.

No entanto, importa referir que as dinâmicas dos modelos são reversíveis e que, portanto, existem soluções com comportamentos exactamente simétricos, isto é, em que, em vez de expansão, temos contração e vice-versa tudo depende das condições em que se inicia a dinâmica.

Porém, a ideia era tão incrível que isso, por si só, não bastou para impôr logo esta conclusão à generalidade da comunidade científica. Acrescia uma contrariedade importante. –A constante H, que surge na lei de Hubble, tem as dimensões de um inverso do tempo. Esse tempo (H -1) é essencialmente a idade do Universo em expansão. Ora as medições realizadas por Hubble davam H ≈ 500 Km/s Mpc-1 o que, por sua vez, significava que a idade do Universo era da ordem de 2000 milhões de anos, inferior às datações geológicas da própria idade da Terra. As razões para esta inconsistência tinham que ver com dois tipos de erros sistemáticos nas observações de Hubble.

  • O primeiro era uma subestimativa grosseira e comum a todas as observações astronómicas dos efeitos de obscurecimento devidos à poeira intergaláctica. Este efeito de absorção da radiação só em 1952 passou a ser seriamente tido em conta.
  • O segundo erro provinha do facto de Hubble ter suposto que a dúzia de galáxias que usou como escantilhão dava conta do conjunto de luminosidades típicas encontradas em conjuntos mais numerosos de galáxias e que incluíssem, em particular, galáxias mais distantes. Existe um efeito de selecção designado por “Malmquist bias” que nos diz que à medida que vamos considerando objectos mais distantes, existe um aumento da proporção dos objectos mais luminosos no conjunto dos observados.

Assim, corrigindo estes erros e melhorando os métodos de medição das distâncias intergaláctica, Sandage e Mayall obtiveram H ≈ 180 Km/s Mpc-1 em 1952 e nos anos sessenta os valores obtidos por vários grupos oscilavam já entre H ≈ 50 Km/s Mpc-1 e H ≈ 100 Km/s Mpc-1. A estes valores correspondem já idades do Universo da ordem da dezena de milhares de milhões de anos, valores consistentes com as datações geológicas. Actualmente, o valor de H, obtido por intermédio do telescópio espacial Hubble, é H ≈ 72 Km/s Mpc-1 ainda com uma incerteza de aproximadamente 10%. Temos portanto um notável casamento entre observações e teoria que significa um Universo em expansão.

Fred Hoyle
Fred Hoyle.

O modelo do Universo em expansão foi cunhado depreciativamente como o modelo do Hot Big-Bang, em 1957, por Fred Hoyle, um dos autores de um modelo alternativo, dito de Universo estacionário, que estava em voga nessa altura. A razão de ser para esta designação que, ironicamente, acabou por ser adoptada, leva-nos a considerar mais em detalhe as principais etapas da história térmica deste modelo que acabaram por lhe dar a primazia absoluta. Isso sucedeu finalmente quando em 1965 Penzias e Wilson detectaram de maneira inesperada a existência de uma radiação cósmica extremamente fria e isotrópica, o que constituiu o segundo marco observacional do modelo.