Instabilidade gravitacional

A busca de uma explicação para a formação e evolução das galáxias ocupa um dos focos da cosmologia desde que, nos anos 1920, estas foram confirmadas como blocos fundamentais do Universo.

Foto panorâmica a 360º da nossa galáxia – a Via Láctea
Foto panorâmica a 360º da nossa galáxia – a Via Láctea
Edwin Hubble
Edwin Hubble

Especulações sobre a natureza das estruturas nebulosas que se observam no Universo remontam seguramente aos primeiros membros da humanidade que as viram. No século XVIII mereceram a atenção de pensadores como Thomas Wright ou Immanuel Kant e, antes disso, estiveram no centro das audaciosas, mas fatais, teses de Giordano Bruno. Sabemos hoje em dia e desde a contribuição decisiva de Edwin Hubble em 1924, que a esmagadora maioria dessas nebulosas são aglomerados de um número enormíssimo de estrelas. Estima-se que em cada galáxia existam da ordem de cem mil milhões de estrelas. Entender como surgiram estas estruturas, que são como a nossa Via Láctea, será assim compreender uma peça essencial do Universo.

Colapso de um castelo de cartas
Uma castelo de cartas é um objecto que pode colapsar ao sofrer uma pequena perturbação
George Lemaître
George Lemaître

Lemaître foi o primeiro a propor que o fenómeno da instabilidade gravitacional experimentada por pequenas regiões com densidades de matéria acima da média num Universo em expansão poderia originar a formação de concentrações localizadas de matéria que estariam assim relacionadas com as galáxias.

A nossa compreensão de como a gravidade pode amplificar flutuações de densidade data de 1902, graças ao físico britânico James Jeans. Supondo que temos um gás com flutuações muito pequenas, as regiões de mais alta densidade irão atrair gravitacionalmente material próximo e assim aumentar a sua massa. À medida que isto acontece, a pressão do gás dentro destas regiões irá também aumentar, o que pode, em determinadas circunstâncias, suster o colapso e dar origem a oscilações acústicas. Jeans provou que o colapso é insustentável se a flutuação de densidade inicial se estender sobre uma distância maior do que um valor limite chamado «comprimento de Jeans» (Lj). Assim, flutuações de densidade que se estendem por escalas maiores que esse comprimento de Jeans tendem a aumentar, enquanto flutuações em escalas mais pequenas que Lj não crescem e são progressivamente atenuadas pela expansão do Universo.

Crescimento das flutuações de densidade. As flutuações de larga escala tornam-se gravitacionalmente instáveis e crescem em amplitude, as flutuações de baixa escala diminuem com o tempo.
Crescimento das flutuações de densidade. As flutuações de larga escala tornam-se gravitacionalmente instáveis e crescem em amplitude, as flutuações de baixa escala diminuem com o tempo.

As pequenas flutuações na densidade de matéria presentes no Universo primordial crescem com o tempo e eventualmente colapsam para formar um objecto que autogravita. Porém, num Universo em expansão, o colapso das concentrações de matéria/energia torna-se mais difícil do que num Universo estático. De facto, a expansão está permanentemente a contrariar esse colapso, promovendo a separação e consequente diluição da matéria. Por outro lado, antes da libertação da radiação cósmica de fundo, quando o Universo está ainda suficientemente quente para que a matéria e a radiação estejam unidas num plasma radiativo, os fotões estão também, constantemente, a transportar energia de um lado para outro contribuindo efectivamente para homogeneizar a distribuição de matéria (registe-se que há cerca de 3 mil milhões de fotões por cada barião - partículas subatómicas compostas por três quarks).

Imagem de satélite nocturna da cidade de Londres. Tal como matéria atrai matéria, o centro de uma grande cidade também atrai maior número de habitantes
Imagem de satélite nocturna da cidade de Londres. Tal como matéria atrai matéria, o centro de uma grande cidade também atrai maior número de habitantes

A concentração de bariões só pode começar de forma séria depois da matéria e radiação no Universo terem deixado de interagir. Este episódio, conhecido como desacoplamento, teve lugar cerca de 300 000 anos após o Big-Bang. Antes do desacoplamento, a pressão da radiação impedia o colapso gravitacional das perturbações da densidade bariónica. É possível calcular com bastante precisão quão grande estas flutuações têm de ser no momento do desacoplamento de modo a crescerem e formarem galáxias. Essas flutuações são reflectidas na temperatura da radiação cósmica de fundo, que se propaga livremente desde a época do desacoplamento e que é hoje observada.

Esquema do Big-Bang com algumas das etapas importantes na formação do Universo actual
Esquema do Big-Bang com algumas das etapas importantes na formação do Universo actual

Adicionalmente, ondas gravitacionais podem também contribuir para as anisotropias na radiação cósmica de fundo. Estas, são uma previsão da relatividade geral e têm o efeito de encolher e alongar o espaço-tempo no meio em que se propagam, nas direcções ortrogonais à sua direcção de propagação. Quando se olha para a radiação de fundo não se observam directamente ondas deste tipo, mas conseguimos ver a sua impressão nos fotões. Quando uma onda gravitacional atravessa o caminho dos fotões da radiação de fundo, o efeito de encolher e alongar traduz-se num ganho ou perda de energia por parte desses mesmos fotões.