Unificação de Gauge

Rastos de  partículas em detectores.
Rastos de partículas em detectores.

Esquecendo por agora a força gravítica, até cerca dos anos 60 do séc. XX a situação da Física de Partículas era que tínhamos teorias quânticas bastante bem sucedidas para três das interacções fundamentais (nuclear forte, nuclear fraca e electromagnetismo). A cada uma destas 3 forças correspondia uma intensidade específica bem diferente, partículas mediadoras diferentes e um conjunto de fenómenos muito diferentes. Ou seja, à primeira vista não havia nada de comum entre estas três interacções. No entanto, no final da década de 60, os físicos Glashow, Salam e Weinberg provaram que as forças nuclear fraca e electromagnética estão intimamente ligadas, criando assim uma nova teoria chamada electrofraca. Foi o primeiro indício que a grande diversidade das interacções quânticas poderia ser enganadora - que poderia haver uma descrição mais simples, uma descrição unificada, destas interacções.

Representação da colisão entre um electrão e um positrão num detector de partículas.
Representação da colisão entre um electrão e um positrão num detector de partículas.

Ao conjunto destas teorias que explicam as interacções forte e electrofraca dá-se o nome de Modelo Standard. Este modelo é a teoria mais bem sucedida da história da Ciência - tem um poder de previsão assombroso, estando de acordo com os resultados experimentais até às oito casas decimais em algumas grandezas! Nenhuma outra teoria científica tem um tal grau de precisão. E o mais espantoso é que este modelo foi construído partindo dum princípio muito simples, o princípio de simetria, do qual falaremos na próxima secção.

Mas quando falamos de Unificação das diversas interacções, a que nos referimos ao certo? Trata-se de uma ideia muito simples e que é motivada, até certo ponto, por observações experimentais. Anteriormente vimos que cada uma destas interacções tem uma intensidade diferente. No entanto, o que sucede é que o valor destas intensidades varia com a escala de energia a que as estudamos. Por exemplo, quando se dá uma colisão de um electrão com outros electrões a energias muito altas, ele "sente" os outros electrões com uma interacção electromagnética mais forte. É como se o valor da carga eléctrica de cada um dos electrões se estivesse a tornar maior à medida que a escala de energia sobe.

Extrapolação que mostra  três das forças existentes na Natureza a convergirem para uma só.
Extrapolação que mostra três das forças existentes na Natureza a convergirem para uma só.

Ou seja, a força electromagnética torna-se mais intensa à medida que a energia aumenta. Estudos semelhantes mostram que a força nuclear fraca também se torna mais intensa com o aumento da energia, enquanto a força nuclear forte enfraquece à medida que subimos na escala de energia. O Modelo Standard permite-nos calcular a variação com a energia da intensidade destas forças e o resultado desse cálculo está representado na figura anterior. O eixo horizontal tem unidades de "GeV", que significa giga electrão-volt e é aproximadamente a energia correspondente à massa de um átomo de hidrogénio, uma quantidade de energia muito elevada, muito para lá das energias típicas do nosso dia-a-dia. No entanto, nos aceleradores de partículas, conseguimos chegar a energias da ordem de 104GeV, energias tão grandes que nem sequer existem no núcleo das estrelas! Mas, do estudo da cosmologia, concluímos que estas energias eram típicas numa fracção de segundo após o Big-Bang (que pensamos que se deu a uma energia de 1019GeV) que deu origem ao Universo.

Representação do Big Bang.
Representação do Big Bang.

Se extrapolarmos os valores das curvas teóricas descobrimos que as três curvas se cruzam a uma energia de 1016GeV, a chamada escala de unificação, ou seja, a esta escala é como se estas três forças fossem apenas uma. Repare-se que só temos dados experimentais até 104 GeV - a partir daí, estamos a especular. Mas o que estes dados sugerem - se a teoria de facto estiver correcta em prever a evolução dos valores das forças até escalas muito elevadas - é que aquilo que nós julgamos serem três forças diferentes à nossa escala não são mais que manifestações de uma única interacção, que, à escala de unificação, se "partiu" em três. Acredita-se que, imediatamente a seguir ao Big Bang, existia apenas esta força única. À medida que o Universo foi arrefecendo, ela separou-se nas 3 forças diferentes que observamos hoje, num processo análogo às transições de fase que a matéria sofre - por exemplo, a transformação de água líquida em gelo quando a temperatura baixa.

A beleza de se vir a encontrar uma tal Teoria Unificada seria conseguir explicar uma série de fenómenos diferentes, provocados por cada uma das três interacções, com uma única teoria - uma unificação comparável à que Maxwell alcançou no século XIX com o Electromagnetismo.