Matéria e Interacções

"De que somos feitos?" É uma pergunta que tem apaixonado o Homem desde os seus primórdios. Ao longo da História temos vindo a, progressivamente, dar respostas a esta pergunta. Desde a invenção do microscópio que nos permitiu descobrir a estrutura da matéria viva, aos progressos na Química e Teoria Atómica, à Física Nuclear que nos permitiu "ver" dentro dos átomos e à moderna Física de Partículas, onde sondamos as mais pequenas escalas alguma vez alcançadas. Ainda não sabemos se aquilo que sabemos hoje é a resposta final àquela velha pergunta (muito provavelmente ainda não será). Aquilo que até aos nossos dias se foi descobrindo está resumido na figura seguinte:

A corrida em direcção ao infinitamente pequeno.
A corrida em direcção ao infinitamente pequeno.

Na nossa compreensão actual, toda a matéria é composta por dois tipos de partículas:

Leptões,
que vêm em dois tipos – partículas parecidas com o electrão, com massa e carga eléctrica; e neutrinos, partículas neutras e com massa pequeníssima.
Quarks,
as partículas que compõem protões e neutrões, também eles de dois tipos, up e down.

Todas estas partículas, esquematizadas na figura seguinte, são, acreditamos hoje em dia, elementares - ao contrário de células, moléculas, átomos ou núcleos, estas partículas não podem ser divididas em constituintes mais pequenos.

As partículas elementares que compõem a matéria.
As partículas elementares que compõem a matéria.

Note-se a repetição nesta figura - três "famílias" de partículas (com cores diferentes), cada uma com um par de partículas semelhantes ao electrão-neutrino e outro par semelhante aos quarks up-down. Neste pódio de partículas, nem todas têm a mesma massa - de baixo para cima, e da esquerda para a direita, a massa das partículas aumenta. E pode aumentar imenso - O electrão é cerca de 9000 vezes mais leve que o seu "primo" τ. Ou 348000 vezes mais leve que a partícula elementar mais pesada, o quark top - que, por sua vez, é 185 vezes mais pesado que um átomo de hidrogénio! Uma das grandes questões em aberto da Física contemporânea é saber a razão pela qual estas partículas têm massas tão diferentes umas das outras, e por vezes tão grandes. Serão realmente elementares? E porque é que existem três famílias de partículas na Natureza? Porquê esta repetição? Todas estas questões estão em aberto e são grandes mistérios.

Interacções

Com a tamanha diversidade que a Natureza nos mostra é de uma simplicidade extraordinária que existam apenas 4 tipos de interacções! Essas quatro "Forças", no entanto, não são todas igualmente "fortes" - algumas são muito mais intensas que as outras. Esta intensidade, a "força" de cada uma delas, pode ser expressa em termos numéricos - a mais "forte" de todas é a força Nuclear Forte, com intensidade 1. Relativamente a esta força, a força Electromagnética é cerca de 137 vezes mais fraca. Este "137", já agora, é a grandeza mais bem conhecida da História da Ciência - as medidass experimentais para esta grandeza - chamada constante de estrutura fina - estão de acordo com a teoria até à oitava casa decimal! Em termos de intensidade, temos a força Nuclear Fraca a seguir, cerca de um milhão de vezes mais fraca que a força Forte. E finalmente, muitíssimo mais fraca que as restantes, a força Gravítica. É cerca de 10 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 vezes mais fraca que a força Forte! Para lá de terem intensidades tão diferentes, cada uma destas interacções é também responsável por tipos de fenómenos completamente diferentes.

Interacção Responsável por Partícula Mediadora Intensidade
Gravítica Sol

Estrelas, movimento dos planetas, coesão das galáxias, expansão do Universo, etc...

Gravitão 10-41
Nuclear Fraca Energia nuclear.

Declínios radioactivos, neutrinos

2 Partículas W e uma Z 10-6
Electromagnetismo lâmpada

Luz, ligações atómicas e moleculares...

1 Fotão 1/137
Nuclear Forte Reacção de fusão nuclear.

Ligações nucleares, fusão e fissão nucleares

8 Gluões 1

Note-se na terceira coluna a lista dos tipos de "partículas mediadoras" de cada interacção. Tal diz respeito à interpretação que é feita, na moderna teoria quântica, de como se processam as interacções entre partículas elementares. Descobriu-se que, assim como toda a matéria é composta de partículas elementares, também as interacções têm partículas que lhe estão associadas. Mais exactamente, essas novas partículas são as responsáveis pelas interacções, são os seus mediadores e chamamos-lhes bosões de gauge. A interacção electromagnética é mediada por uma partícula chamada fotão que representamos pela letra grega ν - toda a luz, já agora, é composta de fotões, um número imenso de fotões. O fotão faz de “intermediário” entre duas partículas que estejam a interactuar electromagneticamente. Para se formar um átomo de hidrogénio, por exemplo, temos de juntar um protão e um electrão. O que se passa, grosso modo (muito grosseiramente, na verdade, não levem esta analogia longe demais), é que o protão envia um fotão ao electrão a “informá-lo” onde está e que energia tem, o electrão “responde” com outro fotão a retribuir o favor, e deste fluxo de fotões entre ambos surge a atracção eléctrica que os leva a formar um átomo estável. Dito de outra forma, se o protão for Romeu e o electrão Julieta, o primeiro fotão é uma carta de amor de Romeu a dizer “vem ter comigo”, o segundo fotão a resposta de Julieta, “aí vou eu” e a formação do átomo de hidrogénio a noite de núpcias de ambos.

Albert Einstein.
Albert Einstein (1879 - 1955) - Nobel da Física em 1921

Às partículas de matéria chamam-se Fermiões (pelo seu comportamento ser descrito pela estatística de Fermi-Dirac) enquanto às partículas mediadoras das interacções chamam-se Bosões (uma vez que o seu comportamento é descrito pela estatística de Bose-Einstein). Estas diferentes "Estatísticas" a que estes dois tipos de partículas obedecem dizem respeito ao seu comportamento colectivo - num resumo muito breve, pode dizer-se o seguinte: os Bosões são gregários, enquanto os Fermiões são solitários.

Que quer isto dizer? Significa que as partículas bosónicas podem ocupar, em grandes números, o mesmo estado. Podem ter todas características idênticas. De facto, Einstein e o físico indiano Bose previram que, a partir de uma certa temperatura (próxima do zero absoluto), um "gás de bosões" tinha a propriedade de "condensar-se", ou seja, de uma fracção finita dos bosões que o compunham passar a ocupar o mesmo estado. Esse estado estranho da matéria foi recentemente observado (ver Condensação de Bose-Einstein).

Organização dos electrões nas orbitais de vários átomos de acordo com o princípio de exclusão de Pauli.
Organização dos electrões nas orbitais de vários átomos de acordo com o princípio de exclusão de Pauli.

Já os fermiões comportam-se de forma radicalmente diferente - obedecem ao chamado princípio da exclusão de Pauli, que nos diz que dois fermiões idênticos não podem, de forma alguma, ocupar o mesmo estado. Esta propriedade pode parecer exótica, mas tem consequências importantíssimas. É uma das regras fundamentais para a organização dos electrões (que são fermiões) dentro dos átomos - ou seja, a estrutura atómica de toda a matéria que nos rodeia é regida pelo facto dos fermiões obedecerem ao princípio da exclusão.

Lançamento do pião.

De notar que a razão para as partículas de matéria e de interacção terem comportamentos diferentes é o facto de possuirem spins diferentes. Todas as partículas de matéria têm um valor semi-inteiro de spin, enquanto as partículas "mediadoras" das interacções possuem spin inteiro. O spin é o "momento angular intrínseco" das partículas e, a par da massa e da carga das partículas, é uma das suas características fundamentais. A analogia mais comum para explicar o spin é pensar nas partículas como um pião a girar sobre ele próprio. É uma analogia útil (embora limitada) quando as partículas têm valor 1/2 de spin, porque o pião, tal como as partículas, pode estar a girar sobre si próprio de duas maneiras diferentes - no sentido horário ou anti-horário. Mas quando a partícula tem spin 1, esta já tem 3 maneiras possíveis de "girar sobre si própria", o que é impossível de visualizar com o exemplo do pião; para valores maiores de spin, o número de formas que a partícula tem para "girar sobre si própria" aumenta e a analogia continua a não funcionar. De qualquer modo, esta conexão entre uma das propriedades fundamentais das partículas - o seu spin - e o seu comportamento colectivo, mesmo macroscópico - a estatística a que obedecem, Bose-Einstein ou Fermi-Dirac - é um dos maiores sucessos da Física de Partículas.

Um esquema do detector de partículas ATLAS que está em construcção no laboratório europeu CERN.
Um esquema do detector de partículas ATLAS que está em construcção no laboratório europeu CERN.

Esta viagem para o infinitamente pequeno começou com os primeiros microscópios. Hoje, os instrumentos que temos de usar para "ver" escalas cada vez menores são colossais - na figura anterior podemos ver uma representação de um dos maiores detectores de partículas do mundo, o detector ATLAS, a ser construído no laboratório europeu CERN. O CERN tem sido a fonte de muito do conhecimento actual acerca de Física de Partículas. Nos próximos anos o seu novo acelerador de partículas - o LHC, Large Hadron Collider - que efectuará colisões de protões contra protões a energias elevadíssimas, começará a funcionar. Esperam-se com ansiedade os dados desta nova máquina, porque estaremos a pesquisar uma região de energias acerca da qual nada sabemos, para a qual só temos teorias. Se o LHC vai confirmar algumas das muitas ideias que temos acerca da próxima geração de física de partículas, ou se pelo contrário os seus dados vão requerer ideias completamente novas... É algo que saberemos no decorrer dos próximos cinco anos! Este é, assim, um dos momentos mais excitantes da História da Física.

Vista aérea do CERN.
Vista aérea do CERN (a vermelho está representado o acelerador de partículas).