Entrelaçamento quântico

Consideremos o spin de dois electrões. Em relação a um eixo predefinido, por exemplo o dos zz, as possibilidades são:

up up |↑〉|↑〉
down down |↓〉|↓〉
up down |↑〉|↓〉
down up |↓〉 |↑〉

é como se lançássemos ao ar duas moedas de euro e listássemos as várias possibilidades. Notemos que nos dois primeiros casos o estado dos dois spins é simétrico, isto é, permutando-os obtemos o mesmo estado. Tal não acontece nos dois últimos casos, pois a sua permuta dá o outro estado. Ou seja, o estado

\left\vert{S}\right\rangle=\frac{1}{\sqrt{2}}\left(\left\vert\uparrow\right\rangle\left\vert\downarrow\right\rangle+\left\vert\downarrow\right\rangle\left\vert\uparrow\right\rangle\right)

é simétrico e o estado

\left\vert{A}\right\rangle=\frac{1}{\sqrt{2}}\left(\left\vert\uparrow\right\rangle\left\vert\downarrow\right\rangle-\left\vert\downarrow\right\rangle\left\vert\uparrow\right\rangle\right)

é antissimétrico, isto é, permutando os dois spins não obtemos o estado |A〉, mas sim o seu simétrico, -|A〉. Será que esta combinação existe? Existe. Por exemplo, o átomo de hélio, no estado fundamental, tem os seus dois electrões justamente nesta combinação de spins. Este tipo de estados são usualmente designados por estados entrelaçados.

Esquema de um átomo de hélio.
Esquema de um átomo de hélio.

Vejamos com mais detalhe o que significa estado entrelaçado. Não se trata dos dois electrões estarem abraçados ou sequer ambos na mesma localização. Nada disso, podem até estar muito afastados um do outro. Tão afastados que é possível inventar um canhão de electrões entrelaçados, CEE, com duas saídas opostas de tal modo que cada electrão do par sairá por seu lado.

Canhão de electrões entrelaçados.
Canhão de electrões entrelaçados.

A figura anterior esquematiza a experiência que vamos estudar. O CEE, representado a vermelho na figura, produz pares de electrões no estado |A〉, dado pela equação anterior. De cada par, um dos electrões sai pelo lado A e entra no SG da esquerda e o outro sai pelo lado B e entra no SG da direita. Por facilidade de linguagem chamaremos electrão 1 ao que caminha para o SG da esquerda e electrão 2 ao outro. De igual modo, na equação que representa o estado A, a primeira seta refere-se ao electrão 1 e a segunda ao 2. Olhemos para essa equação. A amplitude correspondente a encontrar o electrão 1 no estado up é 1/√2 e a amplitude correspondente a encontrar o electrão 1 no estado down é -1/√2. Daqui decorre que o electrão 1 ao entrar no SG terá 50% de probabilidade de sair por cada uma das duas saídas. Feita a experiência é isso que se verifica: com N pares entrelaçados obtemos no SG da esquerda N/2 electrões na saída up e N/2 na saída down. Para o electrão 2 as amplitudes correspondentes a up e down são -1/√2 e 1/√2, respectivamente. Logo, no SG da direita, onde entra o electrão 2, as probabilidades são as mesmas, 1/2.

O que é característico do estado entrelaçado é a correlação que existe entre o spin do electrão 1 e o spin do electrão 2. Verifica-se que quando 1 é up 2 é down e vice-versa. Isto pode ser experimentalmente comprovado dotando o nosso equipamento de uma pequena sofisticação: entre as saídas dos dois SG montamos um dispositivo de coincidência. Trata-se de um dispositivo que ligado, por exemplo, à saída up do SG esquerdo e à saída down do SG da direita só disparará se ambos os detectores detectarem simultaneamente um electrão. Pode-se pensar numa lâmpada que só se acende, se, simultaneamente, os dois detectores assinalarem a presença de um electrão. Com este tipo de circuito de coincidências foi fácil comprovar que a um electrão 1 up corresponde um electrão 2 down e vice-versa. Por outro lado, montando o circuito de coincidências entre as duas saídas up ou as duas down, a lâmpada permanece sempre apagada. Quer dizer, nunca medimos simultaneamente os dois electrões em estados up ou os dois em estados down.

Dispositivo de entrelaçamento de fotões.
Dispositivo de entrelaçamento de fotões.

Da mesma forma, pode-se criar estados entrelaçados de fotões. Existem dispositivos que permitem, a partir de um feixe laser inicial, produzir dois feixes de fotões quanticamente entrelaçados.

Se um dos fotões de um par entrelaçado encontrar um filtro polarizador vertical, terá uma probabilidade de 50% de o atravessar. Contudo, se o atravessa, então o seu parceiro não o faz, porque no instante em que a polarização do primeiro fotão é determinada como sendo vertical, a polarização do segundo fotão é necessariamente horizontal. Esta "comunicação instantânea" é a "impressão digital" do entrelaçamento quântico.

Uso da Estação Espacial Internacional para distribuir pares de fotões 
entrelaçados pela atmosfera em direcção a duas estações muito distantes na Terra.
Uso da Estação Espacial Internacional para distribuir pares de fotões entrelaçados pela atmosfera em direcção a duas estações muito distantes na Terra.

Os estados entrelaçados parecem estar em conflito com a Teoria da Relatividade, pois a informação não pode ser transferida mais rapidamente do que a velocidade da luz. Foi com base na análise deste tipo de experiências de entrelaçamento que Einstein, Podolsky e Rosen questionaram, em 1935, a validade das leis da Mecânica Quântica. Einstein chamou mesmo ao entrelaçamento quântico "uma estranha acção à distância". No entanto não existe nenhum paradoxo, pois embora dois estados entrelaçados aparentem interagir ao longo de grandes distâncias espaciais, nenhuma informação pode ser transmitida desta forma.

As experiências feitas em vários laboratórios, por pessoas e sistemas diferentes, confirmaram as previsões. É de salientar interessante salientar que uma experiência deste tipo foi feita com fotões entrelaçados, sendo os membros de cada par detectados em duas pequenas cidades, situadas na orla do lago Genebra, separadas por uma dezena de quilómetros. Entre estes dois pontos os fotões viajaram na fibra óptica da companhia suiça de correios e telefone. Hoje em dia estes pares entrelaçados estão a ser utilizados em aplicações tecnológicas, nomeadamente na criptografia quântica.