Probabilidades

probabilidades

Até ao início do século XX pensava-se que as leis fundamentais do Universo eram deterministas. Desde os tempos mais remotos que os Homens tinham aprendido a prever as fases da Lua e posteriormente os movimentos dos planetas. O Sol volta todos os dias e não é difícil calcular a hora do seu nascimento.

É claro que na vida de todos os dias somos também confrontados com situações imprevisíveis. Quando se atira uma moeda de 1€ ao ar, não sabemos se ela vai cair com a face europeia ou com a face portuguesa virada para cima. Nestes casos recorremos a previsões probabilísticas. Se a moeda tiver sido produzida com o rigoroso controlo do Banco de Portugal e a vigilância atenta do Banco Central Europeu, a probabilidade de sair a face europeia ou a face portuguesa é 1/2.

Contudo, neste exemplo, um físico do século XIX argumentaria que o recurso às probabilidades é apenas circunstancial e decorre do facto de não termos conhecido com suficiente detalhe todos os dados do problema. Por outras palavras, se fosse possível determinar a posição inicial da moeda e conhecer com precisão todas as forças que lhe estão aplicadas, o impulso inicial dado pelos nossos dedos, a força da gravidade, a resistência do ar, a velocidade e direcção do vento, o grau de humidade, etc., então poderíamos prever qual a face que ficaria virada para cima.

1 €.

Fiquem desde já a saber que o físico do século XIX estava enganado. De facto, ao nível mais fundamental, as leis da Física são intrinsecamente probabilísticas. Continuemos com o exemplo da moeda de 1€. Os dois casos possíveis têm igual probabilidade p = 1/2. Podemos, contudo, fazer uma moeda falsa de tal modo que a probabilidade de cair com a face portuguesa seja p = 2/3. Evidentemente a probabilidade de cair com a outra face será q = 1/3. Representemos o estado da moeda quando o € fica com a face portuguesa para cima por |+〉 e quando fica com a outra face para cima por |-〉. Os euros, verdadeiros ou falsos, podem ser agora caracterizados do seguinte modo:

p → |+〉

q → |-〉

em que p + q = 1. A cada estado associamos um número que é a sua probabilidade de ocorrência. Como a probabilidade total é 1 e, neste caso, só existem dois estados possíveis, a sua soma será sempre 1.

Existem vários sistemas que são caracterizados por terem dois estados. Por exemplo uma lâmpada, que pode estar acesa ou apagada. É com base em sistemas binários que funcionam os computadores e os modernos meios de registar e transmitir informação. Também é binário o sistema quântico mais simples. Vamos inventar um € quântico, que designaremos por |€Q〉. Este novo sistema não só pode existir nos estados |+〉 e |-〉, como ainda pode existir em qualquer combinação linear destes estados de base, ou seja:

|€Q〉 = a|+〉 + b|-〉

Este sistema é como se fosse um vector num plano em que os números a e b são as suas componentes nos eixos. Em geral, as componentes a e b são números complexos e o quadrado dos seus módulos, |a|² e |b|² são as probabilidades de encontrar o sistema nos estados |+〉 ou |-〉, respectivamente.

De momento deixemos de lado esta complicação adicional e consideremos um exemplo com números reais. Seja o seguinte € quântico:

\vert\euro_Q\rangle=\frac{1}{\sqrt{3}}\vert+\rangle+\frac{\sqrt{2}}{\sqrt{3}}-\rangle

Lançamento de uma moeda ao ar.

Tal como com o euro falso, neste também existe uma probabilidade de [ 1 3 ] 2 = 13 de o encontrar no estado |+〉 e uma probabilidade de 23 de o encontrar no outro estado. Qualquer medida que se faça dará sempre estes resultados com as probabilidades indicadas. Mas afinal o que distingue este sofisticado euro quântico dum vulgar euro no qual um falsário amador deitou um pingo de solda numa das faces? Será apenas o facto das probabilidades serem agora dadas pelo quadrado do módulo de números complexos? Não. Esta é uma diferença, mas a diferença mais importante é que este “euro quântico” existe numa sobreposição dos dois estados. A descrição deste sistema é feita por um vector neste espaço bidimensional.

Inicialmente a Mecânica Quântica foi desenvolvida para explicar o átomo, ou melhor, para descrever o movimento dos electrões no átomo. Na Física Clássica, se considerarmos o movimento de um objecto pontual, em cada instante ele estará num determinado ponto e terá uma certa velocidade – ao meio dia está “aqui” com velocidade v a apontar para “ali”. É com base neste pressuposto que foi desenhado o esquema de átomo que ilustra o final desta página. Nele procura-se sugerir a observação de um átomo num certo instante e representa-se por pequenos círculos amarelos as posições dos electrões nesse instante. Os círculos servem para guiar a vista e mostrar ao leitor as sucessivas posições que esses electrões irão ocupar em instantes posteriores. Este esquema não poderia estar mais errado!

Esquema de um átomo, composto pelo
núcleo e as órbitas dos electrões.
Esquema de um átomo, composto pelo núcleo e as órbitas dos electrões.

Na verdade, contrariamente ao pressuposto clássico, em cada instante a descrição do electrão é uma função de muitos pontos, é aliás uma função de todos os pontos. Sabendo essa função, Ψ, podemos calcular a probabilidade de encontrar o electrão numa determinada região, mais perto ou mais afastado do núcleo. Com esse conhecimento podemos também prever a sua energia, a sua velocidade, etc. Assim, os electrões não podem ser visualizados como partículas localizadas no espaço, mas antes devem ser vistos como “nuvens” de carga negativa espalhadas por todo o espaço. Existem regiões com maior probabilidade de encontrar o electrão e nesse sítio a nuvem será mais densa. Pelo contrário, à medida que nos afastamos do núcleo do átomo, a nuvem rarefaz-se e a partir de certa distância a probabilidade de encontrar o electrão é praticamente zero. Essa distância é o raio médio do átomo que é da ordem de 10-10 m.